De: 10/08 a 20/09
“A arte não reproduz o que vemos. Ela nos faz ver”. Paul Klee Fotografia, palavra de origem grega que significa desenhar com a luz, trouxe a magia da fixação instantânea da materialidade visual do tempo. A imagem sob a ótica de um fotógrafo registra, além dos focos de luz impressos em seu momento, o sentido dos elementos que a compõem, ou seja, a própria semiótica do fato. O segredo da arte, a exposição nua da estética, da criação, da imaginação e do sentido. Sob este olhar, Antônio Scarpinetti apresenta a mostra fotográfica “Imaginários da Fé” como resultado de um trabalho que não se esgota com a imagem em si, mas que privilegia o contexto, a vivência e o ato da celebração em sua raiz.
São retratos da peregrinação e festa de folias de santos reis adentrando as terras paulistas na região dos municípios de Olímpia e Guaraci, durante o ciclo natalino. Revive a trajetória cristã numa procissão de sombras e luzes sob a condução de seu Mestre, junto às alegorias dos três reis Baltazar, Melquior e Gaspar. Guiados pela bandeira do sagrado, seus bastiões e palhaços desfilam madrugada adentro a liturgia fragmentada, entre cantos, toadas e intangíveis votos de louvor.
Na contramão da volatilidade social do mundo moderno, a cultura popular se coloca como uma virada cultural e uma transformação do espaço natural pela atividade civilizatória: a valorização da coletividade em detrimento do individual, o respeito às hierarquias estabelecidas, perpetuando de geração em geração o verdadeiro retrato da devoção, do mito e da fé, quase indiferentes a exterioridade do mundo secularizado e racional.
Os foliões seguem rasgando a noite, direcionados pela estrela guia em direção à luz divina. Uma permanência sedimentada em seu íntimo, no interior de sua crença. A construção social do espaço sagrado se solidifica com a transferência da fé para o imaginário. O cotidiano contempla o não cotidiano: na alegoria da fé, a sua celebração.
Assim, a fotografia como congelamento do tempo não se traduz mais como uma verdade plena, ao contrário, reproduz em seu eco o imaginário que lhe dá sentido e de que é parte. “Não se pode pensar a fotografia sem pensar o objeto da fotografia e também pensar o objetivo da fotografia... o uso, o objeto e o objetivo da fotografia são temas interrelacionados”, José de Souza Martins, sociólogo.
Miriam Saiki, professora sociologia da Universidade São Francisco. Antônio José Scarpinetti, jornalista e fotógrafo na Assessoria de Imprensa e Comunicação da Unicamp.